A REVOLUÇÃO NÃO É TAREFA DE PARTIDO
A REVOLUÇÃO NÃO É TAREFA DE PARTIDO (OTTO RUHLE) Texto publicado em KAOS #5. 03/1999 (boletim aperiódico e experimental do Grupo Autonomia), apresentando o seguinte cabeçalho: Otto Ruhle nasceu em 1874, em Freiberg, na Alemanha, e morreu em 1943, no México. Sua atividade revolucionária, no movimento operário alemão, esteve sempre ligada a de pequenos grupos e minorias, dentro e fora das organizações oficiais. Sem identificar-se totalmente com nenhuma organização, Otto Ruhle jamais perdeu de vista os interesses gerais da classe operária, qualquer que fosse a estratégia que viesse a apoiar num determinado momento. Não considerava a organização como um fim, mas como um meio para a criação de novas relações sociais que permitissem e estimulassem o mais completo desenvolvimento dos indivíduos. I O parlamentarismo surgiu com a dominação da burguesia. Com o parlamento, vieram os partidos políticos. A burguesia, que encontrara no parlamento a arena histórica para suas disputas com os reis e a aristocracia, organizou-se politicamente e deu à legislação uma forma correspondente às necessidades do capitalismo. Mas o capitalismo não é homogêneo. As camadas e os grupos de interesse no interior da burguesia expressam suas reivindicações de naturezas diversas. Para encaminhar essas reivindicações, nasceram os partidos, com seus representantes nos parlamentos. O parlamento transformou-se, assim, no lugar de todas as disputas: primeiro, pelo poder econômico e político: depois, o poder legislativo; e, finalmente, pelo poder governamental. As lutas parlamentares, lutas entre partidos, não passam de batalhas verbais. Programas, polêmicas jornalísticas, panfletos, relatórios para as reuniões, resoluções, discursos parlamentares, decisões - palavras e nada mais do que palavras. O parlamento tornou-se um local para tagarelices (cada vez mais, à medida que o tempo passava). Desde o primeiro dia, os partidos nada mais têm sido do que máquinas de preparar eleições. Não por acaso, eram chamados inicialmente de “associações eleitorais". Burguesia, parlamentarismo e partidos políticos condicionam-se mutuamente. Cada um deles é necessário aos demais, marcando a fisionomia política do capitalismo. II A Revolução de 1848 foi abortada, logo no início. Mas o ideal burguês, a república democrática, triunfou, apesar da burguesia. Esta, impotente e covarde por natureza, capitulou diante da coroa e da aristocracia, e deu-se por satisfeita com o direito de oprimir economicamente as massas, reduzindo o parlamentarismo a uma paródia. Restou para a classe operária o dever de enviar seus representantes ao parlamento. Esses representantes apossaram-se das reivindicações democráticas da burguesia. Mediante enérgica propaganda, tentaram inscrevê-las na legislação. A social-democracia atribuiu-se, com essa finalidade, um programa mínimo. Um programa de reivindicações atuais e práticas, adaptadas à sociedade burguesa. Sua ação no parlamento estava orientada por esse programa, além da preocupação de obter, para a classe operária e para sua atividade política, as vantagens de um campo de manobra legal, aperfeiçoando formalmente a democracia burguesa. Quando Wílhelm Liebknecht propôs abandonar o parlamento (*), ignorava a situação histórica. Se a social-democracia queria ser eficiente como partido político, devia entrar no parlamento. Não havia nenhuma outra maneira de agir e de se desenvolver politicamente. Quando os sindicalistas se afastaram do parlamentarismo e pregaram o antiparlamentarismo, estavam honrando sua avaliação sobre a inutilidade e a crescente corrupção da prática parlamentar. Mas, na prática, exigiam da social-democracia algo impossível. Exigiam que ela tomasse uma decisão que colidia com a situação histórica; que a social-democracia renunciasse a si própria. Esta simplesmente não podia adotar tal ponto de vista. Tinha de ir ao parlamento, porque era um partido político. III Também o K.P.D. (Partido Comunista da Alemanha) se tornou um partido político. Um partido no mesmo sentido dos partidos burgueses, como o S.P.D. (Partido Social-Democrata alemão) e o U. S.P.D. (Partido Social-Democrata Independente alemão). Os chefes falam em primeiro lugar. Prometem, seduzem, comandam. As massas ou bases, quando estão presentes, encontram-se diante de um fato consumado. Têm de formar e marchar alinhadas. Têm de acreditar, calar-se e pagar suas cotizações. Têm de receber ordens e executá-las, obedientemente. Têm de votar nos candidatos do partido. Os chefes querem entrar no parlamento. Basta que se candidatem. Enquanto as massas são mantidas em submissão e passividade, os chefes fazem política no parlamento. Também o K.P.D. quer entrar no parlamento. A direção do K.P.D. mente, quando diz que só pretende entrar no parlamento para destruí-lo. Mente outra vez, quando garante que não quer atuar positivamente no parlamento. O K.P.D. não destruirá o parlamento, como afirma, não só porque não quer fazê-lo, mas porque não poderia, ainda que o quisesse. Fará um “trabalho positivo" no parlamento, a isso é obrigado e assim o quer. Porque vive disso. IV O K.P.D. tomou-se um partido parlamentar como os outros. Um partido do compromisso, do oportunismo, da critica e da luta verbal. Um partido que deixou de ser revolucionário. Observai-o. Comparece ao parlamento. Reconhece os sindicatos. Inclina-se diante da constituição democrática. Faz as pazes com o poder burguês. Coloca-se inteiramente no terreno das relações de forças reais. Participa na obra de restauração nacional e capitalista. O que o diferencia do U.S.P.D.? Critica, em vez de negar. Faz oposição, em vez de revolução. Negocia, em vez de agir. Discute, em vez de lutar. Eis por que deixou de ser uma organização revolucionária. Tornou-se um partido social-democrata. Pequenas nuances o distinguem do S.P.D. (de Scheidemann) e do U.S.P.D. (de Daumig). É a reencarnação do U.S.P.D. Virá a ser, em breve, um partido do governo, como os de Scheidemann e Daumig. Este será o seu fim. V Resta um consolo às massas: sempre há uma oposição. Mas essa oposição não rompeu com a contra-revolução. Que podia fazer? Que faz? Unificou-se numa organização política. Era necessário? Do ponto de vista revolucionário, os elementos mais conscientes, os mais ativos têm o dever de formar a vanguarda da revolução. Mas só podem cumprir esse dever como organização fechada, porque são o que há de melhor, são os revolucionários proletários. Dado o caráter fechado de sua organização, reforçam-se e adquirem um discernimento cada vez maior, manifestam sua vontade de ação face aos hesitantes e confusos. No momento decisivo, formam o centro magnético de toda a atividade. São uma organização política, não um partido político no sentido tradicional. A sigla do Partido Comunista Operário da Alemanha (K.A.P.D.) é o último vestígio - em breve, supérfluo - de uma tradição. Infelizmente, não basta um simples passar de esponja para apagar uma ideologia política de massas, há pouco tempo viva, mas hoje ultrapassada. Também esse vestígio será apagado. A organização da vanguarda comunista da revolução proletária não deve ser um partido, sob o risco de morte, sob pena de repetir o que aconteceu ao K.P.D. A época dos partidos passou. (**) O K.P.D. é o último partido. A sua bancarrota é a mais vergonhosa, o seu fim é o mais desprovido de glória e o mais indigno. Mas o que será feito da oposição? O que será feito da revolução? VI A revolução não é uma tarefa de partido. Os três partidos sociais-democratas (S.P.D.. U.S.P.D. e K.P.D.) consideraram a revolução como tarefa sua e proclamaram como seu objetivo a vitória da revolução. A revolução é tarefa política e econômica da totalidade da classe operária Só o proletariado enquanto classe pode levar a revolução à vitória. O resto é superstição, demagogia e charlatanismo político. Trata-se de conceber o proletariado como classe e desencadear sua atividade revolucionária, na mais ampla base e no mais vasto quadro. Todos os proletários aptos para o combate revolucionário, não importa a sua origem política nem a base em que atuam, devem ser reagrupados nas organizações revolucionárias de empresa e no quadro da A.A.U. (União Geral dos Trabalhadores). A União Geral dos Trabalhadores não é um amontoado de indivíduos. É o reagrupamento de todos os elementos proletários, prontos para a atividade revolucionária, que se declaram a favor da luta de classes, da organização dos conselhos e da ditadura do proletariado. É o exército revolucionário do proletariado. A União Geral dos Trabalhadores enraíza-se nas empresas e se constrói a partir dos ramos das indústrias, de baixo para cima, federativamente na base e organizada no topo por militantes confiáveis, revolucionários proletários. Desenvolve-se, de baixo para cima, a partir das massas operárias. Cresce em conformidade com elas: é a carne e o sangue do proletariado, a força que lhe dá impulso, o sopro incandescente da revolução. Não é uma criação de chefes. Não é um partido político, com tagarelice parlamentar e burocratas remunerados. Tampouco é um sindicato. É o proletariado revolucionário. VII Que fará o K.A.P.D? Criará organizações revolucionárias de empresa. Propagará a União Geral dos Trabalhadores. Atuando em cada empresa, em todos os ramos industriais, organizará as massas revolucionárias e lhes dará impulso para o combate decisivo, até que toda a resistência do capitalismo, prestes a desabar, seja vencida. Insuflará nas massas combatentes a confiança em sua própria força, garantia de qualquer vitória, na medida em que esta confiança os libertará dos chefes ambiciosos e traidores. E, a partir da União Geral dos Trabalhadores, começando nas empresas, estendendo-se pelas regiões econômicas e finalmente por todo o país, desenvolver-se-á vigorosamente o movimento comunista. O novo 'partido" comunista, que já não é um partido. Mas que é -pela primeira vez- comunista. Coração e cabeça da revolução. VIII Exemplifiquemos concretamente o processo. Há 200 homens numa empresa. Uma parte deles pertence à A.A.U. e faz-lhe a propaganda, inicialmente sem sucesso. Porém, o primeiro combate, no qual os sindicatos cedem, rompe os antigos laços, imediatamente 100 homens aderem à União. Há entre eles 20 comunistas, sendo o resto composto por filiados ao U.S.P.D., sindicalistas e desorganizados. No início, o U.S.P.D. inspira confiança. A sua política domina a tática dos combates na empresa. No entanto, lenta mas seguramente, a política do U.S.P.D. revela-se falsa, não revolucionária. A confiança dos trabalhadores no U.S.P.D. diminui. A política dos comunistas se confirma. De 20 os comunistas passam a 50, depois a 100 ou mais. Em breve, o grupo comunista domina politicamente a totalidade da empresa, determina a tática da União e dirige os combates com objetivo revolucionário. Será mais ou menos assim. A política comunista implantar-se-á de empresa em empresa, de região econômica em região econômica. Realizar-se-á e assumirá o comando, tornando-se corpo, cabeça e idéia diretriz. É a partir das células dos grupos comunistas nas empresas, a partir dos setores comunistas de massa nas regiões econômicas que se constitui - na edificação do sistema dos conselhos - o novo movimento comunista. E então? Uma "revolucionarização" dos sindicatos, uma "reestruturação"? Quanto tempo durará o processo? Anos? Dezenas de anos? De modo nenhum. O objetivo não é demolir, destruir o colosso de argila das centrais sindicais, com os seus 7 milhões de membros, para os reconstruir depois sob outra forma. O objetivo é a conquista do comando nas principais indústrias, no conjunto da produção social, e, desse modo, conquistar o poder de decisão no combate revolucionário. Apoderar-se do dispositivo que pode asfixiar o capitalismo em ramos e regiões industriais inteiros. Nestas circunstâncias, eis o que a ação resoluta de uma organização pode conseguir, ultrapassando em eficácia a greve geral. IX K.P.D. deixou de expressar o movimento comunista na Alemanha. Bem pode reclamar-se ruidosamente de Marx, Lênin e Radek! Não passa de último membro da frente única da contra-revolução. Em breve se apresentará em perfeito acordo com o S.P.D. e o U.S.P.D., no quadro de uma frente única para um governo operário “puramente socialista". A promessa de uma “oposição leal" aos partidos assassinos, que traíram os operários é a primeira etapa desse processo. Renunciar a suprimir de forma revolucionária os Erbert e os Kautsky é o mesmo que aliar-se a eles. A última fase do capitalismo é sua agonia. O último recurso da burguesia alemã. O fim. O fim dos próprios partidos, da política de partido, do embuste dos partidos, da traição dos partidos. O novo começo do movimento comunista. O Partido Comunista Operário. As organizações revolucionárias de empresas, reagrupadas na União Geral dos Trabalhadores. Os conselhos revolucionários. O congresso dos conselhos revolucionários. O governo dos conselhos revolucionários. A ditadura comunista dos conselhos. (**) - Os trechos em negrito são destaques feitos pelo coletivo de tradutores do grupo Autonomia.
Entusiasticamente, como Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, Ruhle saudou a derrubada do czarismo, mas sem abandonar sua atitude crítica quanto ao caráter jacobino-militarista do partido bolchevique e aos limites hitóricos da revolução russa. No texto que abaixo reproduzimos (publicado originalmente em Die Aktion), escrito após seu retorno do segundo congresso mundial da Terceira Internacional, ocorrido em Moscou, em 1920, Otto Ruhle reconhece o estado de coisas instaurado pela ditadura bolchevique, a contra-revolução triunfante na Rússia, e a necessidade imediata de combater a Internacional burocratizada, no interesse da revolução proletária mundial.
NOTAS:
(*) - Em 1875, divergindo de Marx e Engels, Wilhelm Liebknecht propôs a tática do antiparlamentarismo.
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